quinta-feira, 12 de novembro de 2009

A कैसा दो फुन्चालिन्हो

A
CASA
DO FUNCHALINHO

No início era a Molly, depois veio o Micas.
No dia 19 de Março, dia do pai, a Molly e o Micas enamoraram-se um do outro. Ela atirava-se, com as patinhas no ar, ao pescoço dele que se deixava seduzir. Ao olhar seguinte já estavam colados. Assim ficaram, durante quase vinte minutos. Quando, por fim, se despegaram ele lambeu a pilinha e ela a vulva. Depois foram esparramar-se, felizes, nas mantas.
Dois meses depois deste encontro, na madrugada do dia 20 de Maio, Molly estava deitada de costas, entre as minhas pernas, com as patinhas abertas. A barriguinha gorda, com a pele esticada, rosadinha, era salpicada por nove mamilos dos quais já se espremia o lácteo néctar. Às seis e meia da manhã ouvimos, na caminha ao lado da nossa, um choro de bebé. Era a primeira cria da Molly, que assim se fazia anunciar. Mais dois bebés nasceram nas duas horas seguintes, mas estes já com parto assistido.
A esta primeira filha da Molly demos o nome de Vitória, Vita, Vitinha. A nossa Vitinha representou um sucesso, por nós alcançado, quando todos os outros haviam torcido o nariz à ideia de criar cães. “Porque não criam antes galinhas?” Dissera alguém quando lhe contámos.

Mais tarde veio a Xica, e depois a Fifi. Estas, tiveram filhos e filhas, das quais ficou uma de cada com a respectiva progenitora. A filha da Fifi, a Patty, cresceu com a Mourisca, que fizemos vir do Algarve. Ainda hoje são grandes amigas (é vê-las a dormirem juntas, enroladinhas uma na outra).
A Xica, quando veio, devia ser mais nova do que nos disseram, porque era grandita (alguns criadores, desonestos, vendem as crias mais cedo do que deviam, algumas vezes ainda a mamarem, para as venderem como sendo menores em tamanho e no peso), de modo que ficou sempre com alguma insegurança. Insegurança essa que transmitiu à sua filha, a Trufa. Esta é uma cadelinha linda. Um pouco menor que a mãe, quando vai à tosquia parece uma gazela, muito elegante. Tem um focinho muito bonito onde transparecem dois doces olhinhos negros.

A Vitinha cresceu com uma menina chamada Sarita, que mandámos vir daqui perto. Esta última, uma texuguinha quando chegou, é muito arisca, ainda hoje, com três aninhos diverte-se a brincar connosco ao “toca e foge”.
A Sarita tem com ela uma filha, de seu nome Joanica, que só quer é dar beijinhos. Maior que a mãe, que tem dois quilos, esta cadelinha é uma fofura. É robusta e tem umas patinhas fortes e rijas, muito loirinhas.

O Sô Micas, quando chegou vinha doente, muito magrinho. Começámos a alimentá-lo com ração Starter da Royal Canin mas depressa ele deixou de comer. A barriga crescia e não conseguia defecar. O cãozito metia dó. De encolhido que andava mais parecia uma galinha-da-índia. Andámos com ele de veterinário em veterinário até que ficou internado para libertar as fezes acumuladas que quase o tinham matado (há criadores, e lojistas também, que não alimentam devidamente os animais para que eles sejam pequeninos, por isso, acabam por ficar raquíticos).
O nosso Micas acabou por salvar-se, contra todas as expectativas dos outros, e hoje é um belo macho de criação. Dele são filhas a Trufa (a nossa Tufa), que tem tendência para se pôr à parte, a olhar-nos, ansiando por uma palavra para se aproximar; a Patty, de olhos castanho-escuro com uma auréola mais clara, cor de mel, a ornamentá-los (olhos penetrantes, que nos surpreendem, por vezes, a olhar atentamente na nossa direcção).
A Joanica e a Vitinha também são filhas do nosso macho ibérico. Ele é loiro matizado a cinza, com os bigodes e a barbicha ruivos; pernas altas, rabo alçado, muito elegante. Quem é muito parecida com ele é a Vitinha, já a Molly tem rodinhas baixas, perna curta, focinho loiro e corpo cinzento-escuro, com as patinhas da cor do focinho.
Todos eles têm o narizinho negro, que para estarem saudáveis deve estar húmido, todos têm olho vivo e brilhante. Alguns deles riem. Por exemplo, a Sarita, a Sarita ri. Arreganha os lábios e mostra os dentes da frente quando está a brincar ao toca-e-foge connosco. Esta é uma ratinha, gosta muito de ir espreitar a papinha dos outros a ver se lhe agrada mais que a dela. E, se a deixarmos, rouba.

A Nancy, comprámo-la a alguém que não a queria a deitar cheiro à casa, já tinha seis anos. É a nossa fedorenta. Coitada, mal acabou de chegar caiu-lhe logo um dente. Teve há pouco tempo os seus primeiros bebés, dois meninos e uma menina. Vamos ficar com ela, vai chamar-se Mila. É muito pequenina e escurinha; vai ter o pelo preto no dorso. Alguns, vê-se logo, vão ser mais clarinhos (trazem à nascença uma espécie de estrelinha branca no peito). Mas esta não, é toda escurinha, só as patinhas e algumas partes do focinho a tender para o loiro.

A Mourisca também tem agora dois bebés, um menino e uma menina. Desta ninhada vamos ficar com o macho, pois o pai é de fora, não pertence ao nosso sangue (o da Casa do Funchalinho). Assim, seguindo na linha de não fazer cruzamentos consanguíneos, vamos ficar com outro macho reprodutor (a consanguinidade é um tiro no escuro: tanto pode aperfeiçoar-se a raça como correr-se igualmente o risco de ter descendentes com defeitos congénitos; nós preferimos não arriscar). Ele vai chamar-se Pinóquio pois, coitadito, vivia sem nome. Também é pequenino.

Isto de criar cães é como entrar num universo fantástico, no tempo em que os animais falavam.
A Fifi foi comprada e veio com uma pequena mania que só há pouco começou a perder. Quando pegada ao colo, depois de a pormos no chão, vira sempre o dente. Não é que vá morder, não é isso. É já só o gesto que lhe ficou de um tempo que nós desconhecemos. O tempo que passou com a criadora, os dois meses mais importantes da vida de qualquer Yorkshire Terrier. Já a filha, a Fifi, sempre foi muito meiguinha e destrambelhada. É a única, chata, que gosta de fazer as necessidades sobre o sofá. É um desastre. Há pouco tivemo-la dentro de casa porque teve bebés e foi uma desgraça. Até a mesa ao lado, num plano mais elevado, às vezes tinha cocó. Chegou a pegar no rolo de papel higiénico e a desenrolá-lo pela casa. Mas é uma querida que só quer é dar beijinhos.

A Fifi é a nossa loirinha. Tem o pêlo da cor dos cabelos da criadora, amarelos. É linda. Reconchudinha, parece uma bolinha de pêlo amarelo e olhos grandes, negros e redondos. Era muito arisca, mas com o tempo fez-se igualmente meiga. Tem a habilidade de subir pelas minhas pernas, em escalada, para alcançar o patamar da janela onde às vezes gosta de estar um bocadinho.
Como já vos disse, a Sarita gosta de rir para nós. Quando vou à casa de banho aproxima-se de mim, a rir, e depois dá meia volta e foge para, a seguir, voltar. Depois de andar nisto durante algum tempo é capaz de se agachar para que a peguemos ao colo, mas não é sempre. É muito medrosa. Trouxe o medo do lugar onde esteve naqueles primeiros dois meses de vida (nem todos os criadores tratam os animais com carinho e respeito). Quando, finalmente, se deixa pegar agarra-se como uma lapinha ao nosso peito, a tremer, cheia de nervos. Nessas alturas o seu pequenino coração bate fortemente sob os nossos dedos. Encosta a cabecinha ao nosso ombro e cola-se a nós como se estivesse desesperada (pela história que sabemos dela, foi rejeitada antes de chegar às nossas mãos). Por isso, quando lhe peguei pela primeira vez ao colo ela lançou-se dos meus braços e caiu de costas no chão da cozinha. Eu fiquei em pânico, ela gritava, com as patinhas no ar, em estado de choque, eu não sabia o que fazer… nem é bom lembrar. Mas agora também gosta de dar beijinhos.
Já a Mourisca veio feliz. Chegou aqui e encontrou a Patty, com dois meses, à sua espera para crescerem juntas. A Patty já tinha nascido em casa, assim como a Trufa e a Vitinha. E assim cresceram ambas felizes e contentes. Não têm traumas e são umas destravadas. A Mourisca parece um rato a trepar paredes, rápida como só ela. Na cama sobe até à nossa cara e desata a dar beijinhos. Lambuza-nos a cara toda. Depois, tão depressa como apareceu, salta da cama e vai para a casinha dela onde estão os filhotes dentro de uma alcova. Enrosca-se toda neles e os miúdos aproveitam para começarem a procurar a teta mais apetecível, é que são apenas dois com uma série de maminhas à disposição.
A Molly tem agora uma bebé dentro de uma casinha em cima da nossa cama (o que nos vale é que esta é bem grande). A cria nasceu muito miudinha e ela

não lhe ligava nenhuma. Tivemos de a ensinar a gostar dela. Depois correu tudo bem. A menina começou a engordar e a crescer e hoje está com duzentos gramas, uma pequena maravilha. Parece-se com a mãe, ao contrário da Vitinha que sai toda ao pai. Tem as patinhas curtas e também é escurinha. A Molly, quando a comprámos, parecia uma bolinha preta, depois parecia-se com um rato e agora está linda de morrer. Tem o focinho todo clarinho e um narizinho ao meio muito pretinho e húmido. Robusta e pequenina, com as patinhas minorcas e cheias de pêlos loirinhos, parece uma princesinha. Esta cria deve vir a ficar como ela. Já a Vitinha, a sua primeira filha, é toda parecida com o Micas. Os bigodes ruivos, as pequenas orelhas direitas e aguçadas, as patinhas altas, o corpo esguio, o pêlo cinzento claro e loiro com alguns ruivos no focinho, os olhos grandes, redondos e brilhantes e a refilice. São dois refilões, pai e filha. Ela, então, é do piorio. Mas quando é para nos chamar faz apenas uns latidos espaçados e secos. De contrário, está sempre a refilar com os ruídos que ouve. Depois olha para nós, toda orgulhosa. Adora estar ao colo. É uma privilegiada, confesso.
O Micas, às vezes começa a chamar-nos, quer miminhos. Então, uma de nós pega nele, o que o faz muito feliz. Estica-se todo com as patinhas sobre o nosso peito e olha por cima do nariz. É um mimo. É muito mariquinhas. Não gosta nada de tomar banho e depois ser penteado. Está sempre a querer virar o dentinho. Digo isto mas na realidade nunca nenhum deles nos mordeu, (mau seria se o fizessem, isso significaria que não estávamos a cumprir correctamente a nossa tarefa), aliás, eles não mordem. Gostam de abrir a boca e meter os nossos dedos entre os seus dentes só para nos sentirem, sem morder. Não dói nada e até sabe bem.
Quando vem cá a veterinária é um fartote. O Mica, então, tem imenso medo. Mexe-se, revira-se, geme…, só visto. Ainda não lhe estão a mexer já ele está todo em reboliço. Já a Vitinha fica muito sossegada, com os olhos muito abertos e as orelhas no ar. Mas deixa fazer tudo. Ah! A nossa gata. Essa, então, é preciso dar-lhe uma pica para lhe conseguir fazer alguma coisa. Da última vez que isso aconteceu, andava a doutora com a seringa atrás dela por detrás da mesa, até conseguir espetar-lhe a agulha e dar-lhe um calmante que a deixaria trôpega. Tinha os olhos abertos mas ficou com o corpo todo amolecido; só assim foi possível levá-la para esterilizar.
É verdade, está na hora de vos apresentar a Kitty, a nossa gatinha. Apareceu aqui com cerca de quatro meses e uma corda ao pescoço. Muito magra, via-se-lhe as costelas. Apaixonámo-nos por ela e pelas pintinhas cor de mel da sua barriguinha. É de raça europeia, a mais comum por estes lados, de cor castanha mesclada com tons mais claros e os olhos são castanhos esverdeados. Nunca se habituou totalmente à casa, gosta de vadiar pelos quintais da vizinhança. Antes de estar esterilizada gostava muito de andar aos gatos, depois ficou duas vezes prenhe. Houve uma ninhada em que os filhotes eram todos muito assanhados. Lindos mas terríveis, arranhavam-nos imenso.
A Kitty gosta de vir para casa comer e dormir, o resto faz lá por fora. É muito boa para os nossos cães, que não a merecem. São uns parvos, sempre a quererem atirar-se a ela. Se fosse outra já os teria magoado, que ela é muito mais ágil que eles, mas não, limita-se a evitá-los. Como sabe que são nossos conforma-se em ter que aturá-los. Tem piada porque eles, quando sozinhos, não lhe fazem mal; mas quando um ladra e o outro ladra, de repente desatam todos numa correria atrás dela que esta só tem tempo de se esquivar pelas beirinhas das bancadas da cozinha. Às vezes até faz impressão ver como ela se esquiva sem os atacar. E nós sabemos que eles não ficavam a ganhar (nós pensamos que ela não o faz por saber que são nossos e que gostamos deles).


Aqui há uns tempos A Xica cometeu a proeza de parir oito cachorrinhos. Às nove e meia da noite ouvimos um choro de bebé vindo do quarto e pusemo-nos logo em acção: uma bacia de água morna, toalhas; tesoura, fio dental; uma garrafa de álcool. Faltavam dez minutos para a meia-noite quando terminámos de dar assistência aos sucessivos partos. A cria nascia e a Lídia cortava-lhe o cordão umbilical, por um dos dedos, limpava-a com a toalha e massajava-a para activar a circulação sanguínea, enquanto eu refrescava o focinho da parturiente com pachos de água tépida. Enfim, foi um verdadeiro curso intensivo e um bom trabalho de equipa que levou a Xica dar à luz oito cãezinhos do tamanho de um polegar. No final restava prestar-lhes todos os cuidados de saúde e de carinho para que crescessem felizes e saudáveis, até chegar a hora de irem para um novo lar, onde serão amigos e companheiros de miúdos e graúdos.

Todas as nossas cadelinhas têm tido partos descomplicados. Por vezes torna-se necessário ir puxando a cria, com muito cuidado, quando vem de pés, para que não asfixie nem sofra lesões corporais. O nascimento pelos pés é um pouco complicado (requer alguma sensibilidade por parte da Lídia para saber quando e como deve puxar o saco que traz a cria no interior), mas quase sempre vêm de cabeça. Certas crias trazem as vias respiratórias obstruídas por muco do líquido amniótico. Nesse caso, a Lídia faz um exercício de sucção intercalado de breves sacudidelas ao animal, com a cabeça para baixo, de modo a desobstruir-lhas. E, finalmente, mete-o a mamar.
A nossa Patty cometeu outro feito extraordinário: teve seis crias. Todas lindas e saudáveis, dois rapazes e duas raparigas. Mas esta, sentindo as dores, só queria morder e fugir dali. De cada vez que chegava mais um ela gritava como só visto. Foi assim até à terceira cria, depois acabou por acalmar.
A Trufa, filha da Xica, teve sozinha uma bebé, só demos por isso quando chorou. Estava no sofá da sala. A cria parecia um ratinho e ela toda contente a lambê-la. Como tinha as maminhas todas por sua conta, cresceu e fez-se uma linda ursinha preta e castanho claro.

O Micas
O nosso Micas é um malandro. No dia 19 de Março, dia do pai, perdeu a virgindade com a Molly, também ela virgem. Dois meses depois o resultado estava à vista. Entretanto, enquanto a Molly entrava em trabalho de parto andava ele alegremente atrás de outra. Já por várias ocasiões aconteceu de as suas namoradas estarem a parir e ele a namorar com outra. Mais tarde, quando já têm cerca de um mês mostramos-lhe os filhos mas ele não liga nenhuma, é mesmo malandreco. A bem da verdade, as mães também não gostam muito de o ver por lá, preferem que ele esteja ausente deste processo todo. Elas são umas marotas. Por alturas de se encontrarem receptivas ao macho, bamboleiam-se para ele, saltitam à sua volta, dão-lhe o rabinho e trinta por uma linha. Ele não se faz rogado. Lambe-lhes a vulva e, prendendo-as com as patinhas dianteiras, dá um saltinho e já está, ficaram presos um ao outro. Depois é que é bonito. Se for com a Xica, se não os agarramos, vai de reboque. Com a Molly é que eles ficam mais quietinhos, pois com as outras o sô Micas vê-se aflito para aguentar os remoques delas.


A Molly, na noite antes do primeiro parto.